domingo, 24 de maio de 2015

Vovó Sônia

Fiz as contas: na hora em que a vovô Sônia morreu no Brasil nós estávamos no restaurante chinês em Monterrey, Califórnia, às gargalhadas porque a garçonete não falava uma palavra de inglês nem de espanhol, e não conseguíamos chegar a conclusão alguma a respeito do que iríamos comer.

Na manhã seguinte, quando acordamos, veio a notícia. Havia passado por duas cirurgias muito delicadas nos últimos dias e estava sedada, dormindo. Mas naquela noite, ela partiu.

Vovó Sônia esperou a gente viajar para morrer. Sempre teve saúde frágil, estávamos acostumados aos sustos, ao vê-la se internar por uns dias, mas sempre saía e voltava à vida normal: Hortifruti às quintas feiras, quando ia dirigindo seu carro, freando e buzinando alto por qualquer motivo; hidroginástica três vezes por semana, com seu traje de surfista; cinema à tarde com o vovô Bóris.

Saímos para viajar e a deixamos viva. Foi cremada um dia antes do nosso retorno. Entre esses dois extremos, passaram-se 15 dias.

Alegria e tristeza misturaram-se naquela linda manhã em que seguimos viagem a partir de Monterrey pela Highway One. No dia anterior, conseguimos um mapa que indicava as belezas do caminho. Por iniciativa própria, sem que ninguém indicasse, decidimos parar em um parque estadual à beira mar chamado Point Lobos, considerado um refúgio de leões marinhos. Chegamos lá antes das oito, quando o sol ainda começava a esquentar. Caminhamos em silêncio pelas trilhas em meio a campos de margaridas, penetramos num bosque de ciprestes retorcidos, esparramados sob ação do vento. O mar era azul turquesa, azul esmeralda, e lá embaixo víamos os leões marinhos com as cabecinhas para fora d´água, olhando-nos de longe, quietinhos à luz da manhã. Nesse lindo lugar, cada um de nós, a sua maneira, se despediu da vovó, dos almoços que preparava com tanto prazer, dos guefilte fish e kneidales em Hosh Hashaná e Pessach.

Faz muita falta a vovó. O fato de não a termos visto doente, hospitalizada, morta, confere uma sensação de irrealidade ao fato. Melhor assim, talvez.

Abaixo, eu e a Sônia no lançamento da Pausa do Tempo em setembro de 2013.

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